sábado, 14 de fevereiro de 2009


PLENILÚNIO




MARCELO NOVAES










O primeiro quarto do caminho
era de fósforo e estrela. E cheio
de cicatrizes era meu rosto, por
antigo acidente automobilístico.
E eu não sabia resolver o conflito
com as oito cirurgias que havia feito,
que só repararam, do meu rosto, um
oitavo. Faltava o resto. Faltavam sete.





O segundo quarto do caminho,
era pranto, ócio e glóbulo branco
- tentei algo que não afetasse meu
organismo de modo invasivo: ato
homeopático arrematando antigos
anestésicos, cirúrgicos, que me
deixaram o branco no cérebro
[fazendo crer que o resto do
caminho seria todo plenilúnio
do infortúnio, ou céu toldado
em véu, nublado, azul
marinho...].





No terceiro quarto, sentei-me
em escada de pedra coberta de limo
e mirei meu rosto em bendito lago de
vidro - porque mais perto não poderia,
ter sido, por escorregar e trincá-lo, com
essas unhas e calos. E da distância em
que medi-me, me vi em rosto liso,
como sempre pretendera.





Abriu-se sobre a minha cabeça, uma
fresta no céu, qual fosse janela. E eu
interroguei-me sobre todos os fatos
dos três quartos do caminho. E meu
refeito rosto exibia resposta por si
mesmo, a cada pergunta feita em
voz alta. A luz variava segundo
o ângulo da questão que me
propunha, exibida em feição
medida. [Era de dar inveja a
Oscar Niemeyer, aquela
construção. Vou mais
longe: daria inveja até
mesmo ao Conde de
Saint Germain...].





Não sei quem fez tal arranjo, quem
era o Observador ou Arquiteto. Cheguei
a imaginar a Sombra d'Aquele Braço sobre
meu ombro direito, por detrás. Mas não
ousei me virar. Tudo era íngreme demais.
Do mecanismo todo, não soube o Dono,
não me coube o servo, nem o capataz.





As nuances de minhas expressões faciais
foram suficientes. Já eram. As variações
de luz bem casaram com meus olhos,
com meu queixo, com meus lábios.
E ficou claro que o último quarto
do caminho seria simples, sem
peso de cicatrizes: século
sagrado e sagrado século.